Treinar em jejum: aliado no emagrecimento ou aposta arriscada?
Bastante polêmica, a prática coloca em cheque a importância da ingestão calórica antes do exercício e o quanto isso poderia influenciar no corpo e na saúde.
Para fugir do sedentarismo e conquistar mais qualidade de vida cada vez mais pessoas se tornam adeptas da malhação. Especialmente no Brasil, novos estabelecimentos voltados para prática de ginástica surgem a cada dia e, graças à esse fenômeno, já ocupamos o segundo lugar no ranking dessa atividade, atrás apenas dos Estados Unidos. Se por um lado o avanço deve ser comemorado, por outro releva também um problema crônico: o aumento de peso da população e a consequente corrida pelo emagrecimento, de preferência, o mais rápido possível. Quem frequenta academias sabe bem: vez ou outra surge uma nova tendência afim de atender a urgência em modificar o corpo. Muitas delas se espalham através do boca a boca e tornam-se populares mesmo sem respaldo cientifico. Por outro lado, avanços trazidos por estudos nas áreas de nutrição e medicina do esporte esclarecem mitos e auxiliam na busca pelo emagrecimento e ganho de massa. No centro dessa dualidade encontra-se a técnica conhecida como AEJ, ou Aeróbico em jejum, que supostamente aceleraria a queima de gordura. Bastante polêmica, a prática coloca em cheque a importância da ingestão calórica antes do exercício e o quanto isso poderia influenciar no corpo e na saúde.
Emagrecimento a qualquer custo
É de conhecimento geral que a principal fonte de energia do organismo vem dos alimentos e mesmo assim, adotar uma dieta logo que se inicia na academia é praticamente unanimidade entre aqueles que desejam emagrecer. Essa iniciativa muitas vezes é tomada sem nenhum tipo de orientação profissional, e o indivíduo passa a cortar alimentos e a seguir ensinamentos que são absorvidos quase que por osmose. O mito de que comer menos ou até mesmo privar-se de determinados alimentos leva à perda de peso de forma mais rápida é o que tem atraídos adeptos ao conceito AEJ.
Essa prática consiste em realizar exercícios aeróbicos logo pela manhã, ainda em jejum noturno, afim de acelerar a queima de gordura. Esse método seria capaz de pular a etapa na qual o corpo utiliza sua principal fonte de energia: o glicogênio. Numa visão bem simplificada, essa reserva é obtida através do metabolismo dos carboidratos vindos da alimentação. Durante um treino no qual o indivíduo está devidamente alimentado, o organismo vai recorrer ao glicogênio e somente após esgotar essa reserva utilizaria o tecido adiposo como fonte de energia, o que leva, em média, 30 minutos. Logo, a prática de aeróbicos em jejum levaria o organismo “direto” aos estoques de gordura e facilitaria o emagrecimento.
Por corroborar com outros mitos da alimentação como “comer carboidrato engorda”, a prática pode soar como uma verdade a ser seguida. Porém, ela é eficaz? De acordo com a nutricionista Sinara Menezes da Nature Center é questionável: “Alimentos são a principal fonte de energia para o organismo, principalmente o carboidrato. Quando grandes esforços são feitos e o organismo não possui oferta desse nutriente, acaba recorrendo às fontes de energia disponíveis no próprio corpo. Porém, isso não se limita apenas à gordura. Da mesma forma, o próprio tecido muscular pode ser utilizado como fonte de energia, levando à perda de massa magra.”
Isso significa que, por mais que a técnica acelere a queima de gordura, ela também pode levar ao catabolismo muscular – quando os músculos também são “queimados” para ofertar energia ao organismo. “O grande problema nessa questão é que a perda muscular interfere totalmente no metabolismo, deixando-o mais lento. Além disso, o enfraquecimento do tecido muscular aumenta as chances de lesões durante o exercício.” Outra questão que põe em cheque a segurança dessa prática é que o indivíduo teria seu desempenho limitado, uma vez que aumentar a intensidade do seu treino sem o devido aporte de nutrientes poderia levar à episódios de hipoglicemia, tonturas e desmaios, expondo-o à situações de risco.
Alimentação x Rendimento
Quando se trata de perda de peso qualificada, o investimento em uma alimentação pré treino de qualidade é o caminho mais seguro para que os resultados sejam duradouros. Alimentar-se antes do treino não significa que a queima de gordura será mais lenta, mas que ocorrerá de maneira segura, sem comprometer os tecidos musculares.
Alimentando-se adequadamente é possível aumentar o desempenho nos treinos e, consequentemente, aumentar o gasto calórico. De acordo com a nutricionista: “Se o objetivo for emagrecimento, o cuidado com a ingestão calórica deve ocorrer ao longo de todo dia, porém, antes da atividade física deve-se optar pelo consumo de carboidratos, especialmente os de baixo índice glicêmico. Esses alimentos liberam açúcar de maneira controlada, resultando em energia constante durante a prática do exercício”.
Agora, se o objetivo for ganho de massa magra, além dos carboidratos como fonte de energia para o treino, deve haver uma combinação desse nutrientes como consumo de proteínas, fundamentais para o crescimento do tecido muscular. “O pré treino para ganho de massa deve oferecer carboidratos de qualidade e um maior aporte proteico, afim de fornecer os nutrientes necessários para construção da fibra muscular. A famosa combinação de batata doce com whey ou uma proteína magra como o frango se encaixa perfeitamente nesse quesito” – aponta a nutricionista.
Em ambos os casos, comer demais antes do exercício pode atrapalhar o rendimento tanto quanto não fazer uma alimentação pré treino: a digestão causa um direcionamento do fluxo sanguíneo para a região do estômago, resultando numa competição pela oferta de energia durante o exercício. Além de reduzir drasticamente o rendimento, à baixa oferta de sangue aos músculos leva à fadiga muscular. “Alimentos gordurosos demoram mais para serem digeridos e devem ser evitados. Da mesma forma, o abuso de fibras e bebidas gasosas podem pesar no estomago, levando ao desconforto estomacal durante o exercício.” – explica Sinara.
Suplementação x Alimentação
Assim como iniciar uma dieta, buscar algum tipo de suplementação alimentar é mais uma prática muito comum entre os iniciantes de atividades físicas. A crença de que o uso desses produtos pode acelerar os resultados faz com que muitas pessoas busquem a solução fabricada sem ao menos terem consultado um profissional afim de corrigir a alimentação.
Estudos apontam que por maior que seja o esforço durante o treino, os resultados só serão atingidos se existir um suporte nutricional adequado. A princípio, uma alimentação balanceada é capaz de prover todos os micronutrientes necessários para que o organismo se adapte à essa nova rotina e, posteriormente, com o aumento da necessidade calórica e da intensidade do treinamento, a utilização de suplementos pré treino e de recuperação pós treino podem ser recomendados por um nutricionista conforme a necessidade do indivíduo.
A profissional aponta: “O mesmo efeito anti-catabólico e de aumento do rendimento oferecidos pela suplementação pré treino podem ser obtidos através de uma alimentação de qualidade. Um bom lanche pré treino deve incluir um carboidrato complexo, uma proteína leve e uma fonte de vitaminas e sais minerais. Uma refeição leve que inclua esses nutrientes é, por exemplo, um sanduíche de pão integral e queijo branco, acompanhado de uma fruta como uma banana ou uma maçã. Esse lanche deve ser feito de 45 à 30 minutos antes do treino, e deve-se manter a hidratação durante o exercício. Dessa forma, evita-se alterações bruscas na glicemia e, consequentemente, na oferta de energia, garantindo um bom desempenho durante toda a atividade.
Obviamente treinos de maior intensidade, requerem maior aporte calórico e nutricional, o que implica diretamente no lanche pré treino. Como essa refeição deve ser leve, pessoas que praticam atividades de alto desempenho podem necessitar de suplementação para complementar a quantidade de nutrientes e não precisar comer grandes quantidades antes da atividade aeróbica ou muscular. Porém, essa recomendação deve ser feita sempre por um profissional de saúde, que analisará exatamente quais nutrientes devem ser suplementados afim de aumentar o rendimento.
É importante ressaltar que essa necessidade surge em decorrência de treinos intensos, normalmente praticados por atletas de alto desempenho. Iniciantes e pessoas que praticam atividades regulares de maneira moderada podem, e devem, recorrer a alimentação balanceada, totalmente capaz de suprir as necessidades nutricionais decorrentes do exercício físico.
Devagar e sempre
Mesmo que a princípio perder massa magra em favor do emagrecimento pareça um preço a ser pago, é essencial entender a importância da massa muscular para a taxa metabólica do corpo: músculos consomem grande parte da energia que precisamos para viver e, por consequência, gastam mais calorias. Isso significa que quantos mais massa magra você tiver, mais seu corpo queimará calorias, mesmo em repouso. Perder massa magra deixará seu metabolismo lento, fazendo com que o corpo consuma menos calorias para se manter funcionando, o que dificulta o emagrecimento, mesmo sob dietas rigorosas.
É preciso ter em mente que os processos de perda de gordura e ganho de massa devem ser feitos em etapas. “Os quilos a mais adquiridos ao longo de anos não vão desaparecer em questão de semanas de maneira saudável. Da mesma forma não é possível ganhar músculos sem investir numa dieta de qualidade. É preciso ter paciência e persistência, fazendo mudanças a longo prazo que levarão não apenas à transformação do corpo, mas a manutenção permanente do peso e ao ganho de qualidade de vida. A alimentação é determinante nesse processo e jamais deve ser negligenciada” – finaliza Sinara.
Fonte: Jornal de Sábado